quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Mnemiopsis Leidyi - Caroline Mendes

Mnemiopsis Leidyi


Antigamente era água viva,

Porém hoje é ctenóforo

Está em todos os mares

Não tem músculos pulsáteis.


Tem cílios para locomoção,

E tentáculos para comer.

Não possui cnidócitos

- Arpões venenosos.


Com células laçadoras

Consegue o jantar

É o mais belo ser vivo,

É sim: magnífico!


Caroline Mendes








sábado, 26 de setembro de 2009

O jardineiro - Caroline Mendes

O Jardineiro

O jardineiro, cuidadoso,
Tinha as mais belas flores
Seu jardim sempre crescia:
Muitas rosas, muitas cores.

Uma noite, porém, bastou
Para que tudo desabasse.
Quem matou as suas rosas 
Foi uma grande tempestade.

O jardineiro, muito velho, 
Estava sozinho a dormir
E no dia seguinte àquele
Não viu mais seu jardim.

Foi durante a tempestade
Quando seu jardim morria
Que o velho suspirava:
Ele também partia!

Caroline Mendes



Pintura de Monet

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Pendência - Caroline Mendes

Pendência


Oh, que bom que existe

A pendência, que ficou,

Assim tenho a certeza

De que ainda não acabou


Este castelo de areia

Que é sempre desmanchado

Quando vem o mar

Derrubando-o, tão bravo.


Assim o castelo fica à deriva

Esperando que uma menina

Venha, e reconstrua

Sua forma, arquitetura.


E, se ela for amiga,

Poderá ter a ajuda

De um menino, nas medidas

Do castelo, da escultura.


Caroline Mendes

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Despedida - Rubem Braga

Despedida


E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.


Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


Rubem Braga


Extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967.


quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Ampulheta - Caroline Mendes

Ampulheta


Minha ampulheta é pesada,

Feita de mármore e ouro

Dentro, o pó corre

De um canto a outro.


Não posso virar o objeto

De cabeça para baixo,

De modo que o que já caiu

Fica - para sempre - embaixo.


Porém, eu sei que posso

Deixá-la ficar deitada.

Assim o pó não corre,

Mas depois, não há virada!


Pois como é pesada

Só cai uma vez

Não se pode levantar:

Nunca ninguém o fez!


E o pó que está em cima

É limitado e oculto

Está sempre em movimento,

É um pó escuro.


E o que vai caindo,

Embaixo se acumulando

Não consigo ver passar:

É rápido, nunca brando!


Caroline Mendes








domingo, 13 de setembro de 2009

À um pássaro - Caroline Mendes

À um pássaro


Voe, meu pássaro

Agora livre tu és,

Longe desta gaiola 

Que te prendia os pés


Tu nascestes para voar

E não ficar preso a mim 

Sei que sou gaiola estreita

Então seja feliz assim.


Porém nunca esqueça

Que minha porta aberta estará

Para quando cansares da liberdade

E quiseres em mim morar.


Caroline Mendes

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Folha ao vento - Caroline Mendes

Folha ao vento


Sou filha de angiosperma,

Uma pequena folha

Com o pecíolo cortado

À espera de que me colham.


Sou uma folha ao vento

Nessa imensidão da rua.

Assim, tão sozinha,

Eu me sinto nua.


Um dia, eu fiz parte

De uma grande planta

Com folhas digitadas 

- Num ponto unidas tantas.


Estou sempre vagueando

Ao sabor dos ventos.

Esperando quem me libertou

De uma prisão, eu penso.


Caroline Mendes


William Morris



quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O que eu sinto - Caroline Mendes

O que eu sinto


Não perderei o que eu sinto:

É algo ainda não desvendado

É mais forte que o amor,

Por mim foi criado.


O amor é mutante, fraco,

Mas o que eu sinto...

Oh, isso não, meu bem.

Veja que eu não minto:


Mentirosa nunca foi

A voz de meu ser.

Passarão anos e anos

E o que sinto não perderei.


Caroline Mendes


"Sunrise", por Claude Monet



terça-feira, 8 de setembro de 2009

Equilíbrio - Caroline Mendes

Equilíbrio


Há uma balança d'ouro

Que uso para pesar

E ver o que é importante,

O que é pesado, apesar


De minha pequena balança

Às vezes confundir-se 

E pôr importância

Em coisas estranhas


Mas ela não se cansa

Mesmo a iludir-me

E nessa discordância

Fica nessa façanha.


Mas eu, aqui, espero

Que um dia se concerte

Esta que se acanha,

Mas sempre me acompanha.


Caroline Mendes


Pintura de Réne Magritte






Desejos - Caroline Mendes

Desejos


Eu quero escrever um poema único

Intenso, bonito, raro de ver.

Eu quero inovar com movimento púrico

Como qualquer poeta gostaria de fazer.


Eu quero estar entre os mais conhecidos,

Ou, quem sabe, ser só um pouquinho.

Mas eu quero mesmo é deixar no mundo

Uma marca augusta, aberta e profunda.


Eu quero tanto, e tanto eu faço

Sei que sonho, que me iludo.

Mas que mal há em pensar?


Não quero nada, quero tudo,

E serei essa constante mudança

Até o fim de meu mundo.


Caroline Mendes


Réne Magritte





domingo, 6 de setembro de 2009

Jaula - Caroline Mendes

Jaula


Aquilo que me prende:

Isto é uma jaula.

É o que me mata

E não me compreende.


Esse querer mudar

O que já aconteceu

É tolice, bem se vê

O passado é morto, já.


Mas esta jaula escura

Me sufoca, me aperta.

Já não há mais cura


Eu não me liberto

Não há chave ou fechadura

Que me livre deste espectro.


Caroline Mendes


"Therapeute," Rene Magritte, 1941.



sábado, 5 de setembro de 2009

Livro - Caroline Mendes

Livro


I


Eu sou um livro lacrado,

Tenho até um cadeado.

Só tu tens minha chave

E nem assim tens passe

 

Para todos os capítulos,

Pois tenho códigos frígidos

Que te deixam confuso

Como em primeira viagem

Um jovem marujo.

 

Mas tu és um bom leitor

Pois me compreendes bem.

Tens aguçada atenção

Como ninguém tem.


II


Tu és um livro estranho

Que tem a capa escura

De um tom castanho

E de áspera textura.


Tens uns códigos estranhos

Que não consigo decifrar.

Mas te conheço um pouco

Pelo que me deixas adentrar.


Li uns capítulos únicos

Que nunca ninguém leu.

Sou a única leitora

Desde livro, que se perdeu.


Caroline Mendes


"Young Man Reading by Candle Light", por Matthias Stomer




Flor de Manjericão - Caroline Mendes

Flor de Manjericão

 

Assim que te vi,

Segurei-te nas mãos.

Alegre eu fiquei,

Pus-me a sorrir.

 

Coloquei-te na janela

E senti uma brisa

Morna, de verão,

Gostosa como flanela.

 

Teu aroma eu senti:

Era cheiro de verde,

Cheiro de terra,

De natureza, enfim!

 

Vi tuas poucas flores,

Sem muitas cores

Apenas o branco

Me lembrando d’amores.


Caroline Mendes

imagem retirada do site: aqui




sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Pintura - Caroline Mendes

Pintura

 

Pintei um sol negro,

Um céu vermelho.

Senti um desvelo:

Em tinta meu dedo.

 

As cores no papel,

O desenho se formando:

Um barco afundando

E o vermelho no céu.

 

O mar, a se mover.

E também um cachorro

Que, numa pincelada,

Nasceu sem querer.

 

Pintei um morro

Atrás do mar

Verde ele era

E parei de pintar.


Caroline Mendes






Dora - Caroline Mendes

Dora


Dora, em sua tristeza,

Não sabia o que fazer

Tamanha era sua dor

Por não saber viver.

 

Chegou-se junto ao precipício

No outro lado, apenas mar.

Queria um novo início,

Queria também voar.

 

Pensou, e como pensou!

Sua idéia não mudou.

Seu corpo tocou o céu,

Seu corpo desceu ao mar.


Caroline Mendes


"La Memoire", por Réne Magritte.





quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Papel - Caroline Mendes

Papel

 

Eu tenho um papel em branco

E não sei o que fazer.

Será que amasso, jogo fora?

Ou faço uma pintura, com prazer?

 

Posso fazer uma dobradura

E criar algo novo

Sei que dá um trabalho,

Mas quando pronto, é um gosto!

 

Posso escrever, deixar marcas

Que poderão ficar velhas.

(Até viver quando eu morta estiver)

Talvez seja uma boa idéia.

 

Mas são tantas opções

Que fiquei insegura

Farei de tudo um pouco

Antes que eu morra na brancura!


Caroline Mendes








Ao prazer - Caroline Mendes

Ao prazer

 

Tu és um sentimento banalizado

Que, associado a coisas ruins

Torna-se dispensável

E até mesmo rebaixado.

 

Mas eu usufruo de ti

E assim tenho dias bons

Não me envergonho de sorrir

Ter-te me é um dom.

 

Eu apenas sinto pena

Daqueles que esquecem de ti.

E vivem, sem viver

Porque nunca tiveram a ti.


Caroline Mendes


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A velhinha - Caroline Mendes

A velhinha

 

Para cima, para baixo,

A agulha vai levando

A linha, e transformando

Um novelo em toalha.

 

Enquanto isso, a velhinha

Lentamente faz

Seu trabalho, tão sem paz,

Chora e ri, suspira.

 

Está cansada da velhice

Já não tem mais forças

Tem saudades da meninice,

 

Não é mais uma moça!

Deixa a agulha cair,

E jaz ali, sem forças.


Caroline Mendes


Pintura de Van Gogh, 'An Old Woman from Arles', 1888




terça-feira, 1 de setembro de 2009

Quebra Cabeça - Caroline Mendes

Quebra cabeça

I

O meu quebra cabeça
Veio com um defeito
Sempre falta uma peça,
Nunca há jeito!

Se some a peça do céu,
No outro dia, falta a do mar.
Ou a do carrossel...
Não há como terminar!

E a peça que desaparece
Quando acho, outra se perde
E assim o jogo permanece

Sempre inacabado
Mas é o único que tenho,
Vou montando bem calado.

II

Eu não posso ignorar
Quando isto me acontece:
As peças movem-se, loucas.
E vão para onde bem querem.

Sei que posso controlá-las
Mas às vezes é difícil.
Penso em desistir
E guardar todas elas.

Mas o pior é quando
Tudo parece completo
E é então que vejo
Que há um erro no projeto!

III

Mas afinal de contas
Estou sendo pessimista
Pois há de ponta a ponta
Peças entrelaçadas, amigas.

É preciso saber aceitar
Que apareçam as lacunas
E também saber amar
As peças que já estão juntas.


Caroline Mendes

Dodô - Caroline Mendes

Dodô

Minha querida ave
Tu não me conheces,
Pois que já morrestes
Nas mãos dos portugueses.

És o Dodô, que sem voo
Vivia a festejar.
Não tinha inimigos
Ou com quem brigar.

De paz, foram muitos anos
Que não havia como enfrentar
Os perigos que então vieram:

Tu não soubeste como lutar!
Tua vida foi tirada
E agora bico e ossos

São sua herança guardada!


Desenho de John Tenniel, ilustrador do livro "Alice no país das maravilhas".