segunda-feira, 30 de março de 2009

Da Janela - Caroline Mendes.


Da Janela.

Duma casinha ao vento
À um apartamento.
Que mudança grande
- Foi feita num instante!

Antes eu via apenas,
Da janela, alfazemas.
Agora eu vejo à frente
Prédios e muita gente.

Ali no prédio ao lado,
Um homem emproado
Está no quinto andar
Com sapatos a calçar.

No outro prédio, na sacada,
Está uma moça alinhada.
Vestido, bolsa e cinto,
Para sair, eu pressinto.

Numa selva de concreto
Estamos nós, é bem certo.
Vivendo civilizadamente
Em meio ao bicho gente.

Caroline Mendes.

São Paulo à noite.














sexta-feira, 27 de março de 2009

Pessoas - Caroline Mendes.

Pessoas.

As pessoas que passam por nossa vida sempre nos deixam marcas. Elas vão nos transformando, nos deixando mais e mais - Ou até menos. Ensinamos e aprendemos. Rimos e fazemos outros rirem, assim como choramos e fazemos outros chorarem. Em síntese, transformamos e somos transformados.

Mesmo quando nos separamos de alguém, não dá para mudar o que já aconteceu. Vão ficar as conversas, acontecimentos e momentos compartilhados na memória de cada um. As pessoas, de certa forma, acabam nos moldando um pouco. Mas só um pouco. Porque a nossa personalidade que construímos ao longo de muito tempo podem também mudar outros. E isso vai nos formando de tal forma, que no fim parece que fomos desenhados por várias pessoas. São as pessoas que nos ensinaram, nos ajudaram, nos ouviram, todas elas fazem o desenho de nosso ser.
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- Caroline Mendes.
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PS: Sugiro que cliquem na imagem para
visualizarem em tamanho maior.
Vejam como o homem da pintura é formado.
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Paranoic Visage, por Salvador Dalí.




terça-feira, 24 de março de 2009

Ícaro - Mitologia Grega.

Na mitologia grega, Ícaro ficou muito conhecido pela sua morte por cair no Egeu quando a cera segurando suas asas artificiais derreteu.

Ícaro era filho de Dédalo, um dos homens mais criativos e habilidosos de Atenas. Um dos maiores feitos de Dédalo foi o labirinto do palácio do rei Minos de Creta, para aprisionar o Minotauro. Por ter ajudado Ariadne, a filha de Minos a fugir com Teseu, Dédalo provocou a ira do rei que, como punição, ordenou que Dédalo e seu filho fossem jogados no labirinto.

Dédalo sabia que sua prisão era intransponível, e que Minos controlava mar e terra, sendo impossível escapar por estes meios. "Minos controla a terra e o mar", teria dito Dédalo, "mas não as regiões do ar. Tentarei este meio".

Dédalo projetou asas, juntando penas de aves de vários tamanhos, amarrando-as com fios e fixando-as com cera, para que não se descolassem. Foi moldando com as mãos e com ajuda de Ícaro, de forma que as asas se tornassem perfeitas como as das aves. Estando o trabalho pronto, o artista, agitando suas asas, se viu suspenso no ar. Equipou seu filho e o ensinou a voar. Então, antes do vôo final, advertiu seu filho de que deveriam voar a uma altura média, nem tão próximo ao Sol, para que o calor não derretesse a cera que colava as penas, nem tão baixo, para que o mar não pudesse molhá-las. Dédalo levantou voo e foi seguido por Ícaro.

Eles primeiramente se sentiram como deuses que haviam dominado o ar. Ícaro deslumbrou-se com a bela imagem do Sol e, sentindo-se atraído, voou em sua direção esquecendo-se das orientações de seu pai, talvez inebriado pela sensação de liberdade e poder. A cera de suas asas começou rapidamente a derreter e logo caiu no mar. Quando Dédalo notou que seu filho não o acompanhava mais, gritou: "Ícaro, Ícaro, onde você está?". Logo depois, viu as penas das asas de Ícaro flutuando no mar. Lamentando suas próprias habilidades, enterrou o corpo numa ilha e chamou-a de Icaria em memória a seu filho. Chegou seguro à Sicília, onde construiu um templo a Apolo, deixando suas asas como oferenda.


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A partir dessa história da mitologia grega, podemos colocá-la em nossa vida de alguma forma. Há uma frase que não me lembro da autoria, mas que diz: "Não te aproximes demais do sol, ou acabarás queimado". Esta frase está diretamente ligada à história de Ícaro. A ambição dele foi grande demais, e ele não pensou nas consequencias. Por isso o seu fim trágico. Consigo também ver perfeitamente isso na história de Victor Frankenstein, que criou um monstro - alcançou o sol - , mas não pôde controlá-lo e isso virou um enorme peso em sua vida, tirando dele todas as pessoas que amava - foi queimado. Às vezes uma pessoa pode ter uma ganância muito grande e acabar perdendo tudo.

Bem, mas essa é a minha visão... Digam o que acham disso tudo!





quinta-feira, 19 de março de 2009

Sombra - Caroline Mendes.

Sombra

Ao cair da noite eu vejo
Lá fora sombras e sombras.
Às vezes me assombram,
Com tanto movimento.

Sombra que cria e recria

Formas doces ao vento,
Que passa em agonia
Em meio ao relento.



Caroline Mendes

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A dança das Sombras.


quinta-feira, 12 de março de 2009

Sobre literatura de cordel.

A Literatura de cordel é fonte de história e conhecimento popular. Quem conhece sabe que pode servir de entretenimento e também de aprendizado, mostrando fatos verídicos ou não, personagens reais ou imaginários, releituras de grandes obras...

Para quem não conhece - em algumas regiões do Brasil essa arte é pouco distribuída -, a Literatura de Cordel é, antes de tudo, um tipo de poesia popular, originalmente oral, e depois impressa em folhetos. Essa arte veio de Portugal, e a região do Brasil que mais foi influenciada pelos folhetos de cordéis é o Nordeste.

A estrutura da poesia pode ser bem diversificada, com quadras, sextilhas, septilhas, oitavas, décimas...

Para trazer um pouco disso tudo a vocês, peguei um dos meus "livrinhos" - como chamo -, e repassarei algumas partes.

"Uma vez o seu Lunga
Levou tremenda topada
Alguém chegando pergunta:
- Como foi isso, camarada?
Lunga com o mesmo dedo
Chuta de novo o rochedo
Diz: - Assim!!!, com voz irada"

"A mulher dele outro dia
O relógio derrubou
Olhou pro marido e disse:
- Lunga o relógio parou.
- Queria ver ele andando
Com a queda que levou?"

Esses trechos são do cordel "Seu Lunga, o rei do mau-humor",
escrito por Rouxinol do Rinaré - pseudônimo.

Por enquanto é apenas isso, se gostarem, postarei mais sobre Literatura de Cordel =]


terça-feira, 10 de março de 2009

Mente - Caroline Mendes


"A mente que se abre para uma nova ideia,
jamais volta ao seu tamanho original."

-Albert Einstein.


Mente.

Qual será o tamanho de todo
O meu conhecimento?
A cada vez que penso,

Ele se expande, louco,
Cresce damasiado,
Parece mais bicho alado!

Voa, voa sem parar,
Numa viagem ao poente,
Norte, sul, leste, oeste!

Para tal, não há peste,
Nem como algum ladrão,
Por mais experiente,
Roubar a minha mente!

Caroline Mendes.




PS: Tentei, tentei, mas não consegui achar a autoria dessa pintura.
Se alguém souber, agradeço desde já. =]

quinta-feira, 5 de março de 2009

Futuro, Passado e Presente - Caroline Mendes

Futuro, Passado e Presente

Depois de um sonhar tão puro,
Nos chegou a realidade.
Enfrentamos a saudade
Podendo apenas pensar no futuro.

Que será que ele nos guarda?
Tu, amor, ainda acreditas
Nesse amor doido, sem medidas?
Ou apenas eu sou louca, errada?

E você?
Sei que não vais me ouvir
Pois ainda não nascestes!
Mas eu queria ver-te,
E saber o que reservas para mim!

Já se foi o meu passado
Sei que não vai voltar
São acontecimentos calados

Que nunca irão mais despertar.
Apenas tenho o presente,
O único em que agora posso mandar!



A persistência da memória, por Salvador Dalí

quarta-feira, 4 de março de 2009

Viagem ao interior de um travesseiro - Chen-Tsi-tsi - Parte 3/3

Continuação da segunda parte...


Os demais acusados de conspiração foram condenados à morte e executados. Graças a uma intriga de eunucos, Lu logrou escapar à pena capital, mas foi exilado para Huantcheú.

Passaram-se muitos anos. A inocência de Lu foi finalmente provada diante do Imperador. Este mandou restituir àquele o cargo de secretário de Estado, juntamente com o título de Duque de Yen-ru. Daí por diante, o soberano passou a cumulá-lo de favores excepcionais e ele nunca mais conheceu reveses.

Lu tinha conco filhos. Todos eram dotados de grande talento e ocupavam altas funções no governo. A felicidade do velho Lu era ainda aumentada pela presença de uma dezena de netinhos.

Estava ele, pois, no apogeu da prosperidade e das honras; sua carreira de homem de Estado ia pra mais de conquenta anos. Por duas vezes, no longo trajeto, conhecera o exílio e a mais tenebrosa desgraça. Mas quis a sorte que, depois de cada queda, encontrasse meios de levantar-se e de reaparecer no cenário governamental.

Fatigado pela idade, solicitava ao imperador, com insistência, a reforma, mas em vão. Acabou por cair doente. Médicos celebres, remédios preciosos, nada foi negligenciado para tentar sua cura. Apesar disso, a morte aproximava-se rapidamente. Na véspera do trespasse, Lu endereçou uma mensagem de adeus ao Imperador, vazada nestes termos:

"Eu, vosso humilde servidor, era, de origem, um simples estudante de Changton, não tendo outra ocupação senão o trabalho nos campos. Quis o acaso que eu pudesse aproveitar-me dos altos destinos do Império e ascendesse à hierarquia dos magistrados. O receio de mostrar-me indigno de vossa bondade celeste, ou de ser inútil ao vosso reinado tão cheio de sabedoria, não me consentiu gozar qualquer repouso no decurso de toda a minha vida. Tal pensamento me atormentou dia e noite. Eis-me agora, no limiar da morte. Amanhã, as horas e os diascessarão, para mim, seu curso. Octogenário, por que deveria eu lamentar a sorte destes nervos e ossos desgastados até a última fibra? Mas, contra minha vontade, tenho que deixar para sempre vosso grande reino com um sentimento de infinita devoção e de reconhecimento."

No dia seguinte, o Imperador lhe concedeu a seguinte resposta:

"Dotado de virtudes incomparáveis, fostes-me um colaborador de primeira ordem. Graças ao vosso devotamento, meu reino floresceu. Até há poucos instantes, julguei que vossa doença fosse passageira. Quem haveria de crer que fosse ter tão graves consequencias? Exprimo-vos minha compunção e ordeno ao general da cavalaria imperial, Kao, que me represente junto à vossa cabeceira. Cuidai bem de vós mesmo por amor de mim, vosso amo, e fazei por nutrir a esperança de um pronto estabelecimento!"

Nesta mesma tarde, Lu expirou.


O jovem Lu acordou. Espreguiçou-se. Olhou em torno de si e constatou que ainda se encontrava na pousada, estendido sobre a esteira. A seu lado, o velho taoísta continuava sentado, taciturno e imóvel. O milho do estalajadeiro não estava de todo assado. O cenário não mudara.

Por longo tempo, o jovem permaneceu pasmado, inconsolável. Depois, agradeceu ao taoísta, dizendo-lhe:

- Tudo quanto diz respeito ao caminho que leva à honra ou à humilhação, aos ensejos de prosperidade e miséria, às razões de êxitos e de reveses - acabo eu de experimentar, segundo creio. Compreendo tudo agora. Pois conseguistes, mestre, dissipar-me as ilusões. Vossa lição será para sempre lembrada.

Saudou muitas vezes o Pai Li, encostando a fronte no solo. Depois, foi-se embora.


(Tradução de Alda de Carvalho Ângelo, e adaptação de Caroline Mendes.)

terça-feira, 3 de março de 2009

Viagem ao interior de um travesseiro - Chen-Tsi-tsi - Parte 2/3

Continuação da primeira parte...

Era um travesseiro de porcelana, pintado de azul. Mal o jovem Lu pousou a cabeça nele, viu, distintamente, a cavidade lateral alargar-se e fazer-se cada vez maior. O jovem, erguendo-se, por ela entrou sem dificuldade, e achou-se, da maneira mais simples do mundo, de volta à sua própria casa.

Meses depois, desposou uma jovem muito bela, da família Tsoei, de Tsing-ho. Entrementes, sua fortuna crescia rapidamente e ele começava a sentir o coração mais aliviado. A partir de então, passou a ter vestes e carros novos, exatamente como desejara.

No ano seguinte, apresentou-se aos concursos oficiais e foi aprovado. Pôde, enfim, pôr de lado suas roupas de plebeu e ostentar a insígnia de funcionário. Depois, candidatou-se aos exames da Corte e foi neles igualmente bem sucedido. Nomeado subprefeito de Wei-nan, era logo depois promovido a censor imperial. Graças ao seu novo posto de oficial de ordenança de monarca, passou à frente dos mais altos dignitários. Três anos mais tarde, foi de novo enviado à província com o título de prefeito. Ávido de glórias, mandou escavar um canal na província de Chansi, a fim de facilitar a navegação. A população, beneficiada, mandou erigir um monumento em honra do prefeito.

Depois de ter sido prefeito e inspetor-geral de diversas províncias, foi finalmente nomeado prefeito da capital. Nesse ano, o imperador estava em dificuldades com as tribos insubmissas do oeste. O soberano, que era ambicioso, quis aproveitar-se da oportunidade para alargar seus domínios. Os rebeldes, porém, avançavam e acabaram por ocupar uma importante cidade, assassinando-lhe o governador. O monarca, que andava a procura de um homem de talento para comandar suas tropas, resolveu nomear Lu governador militar da região ameaçada. Lu conseguiu, não sem dificuldades, desbaratar os invasores. Depois mandou edificar, nos pontos estratégicos, três grandes cidades fortificadas. A população da fronteira, liberta do pesadelo da invasão, ergueu uma estela de mármore sobre o monte Kiu-yen, em honra do vencedor.

De volta à Corte, Lu foi cumulado de favores imperiais que faziam empalidecer a inveja dos seus colegas. Gozava ele de alto conceito perante a opinião pública e era benquisto pelo povo. Dentre os que se consideravam mais prejudicados pelos êxitos de Lu, estava o primeiro-ministro. Este não descansou enquanto não deitou a perder seu impertinente rival. Conseguiu, por meio de intrigas e calúnias, comprometer-lhe o prestígio. O efeito dessa campanha desmoralizadora não tardou a fazer-se sentir. Lu foi destituído de seu alto posto e enviado para uma região distante, no cargo de simples prefeito.

Três anos depois, voltava à Corte para ali desempenhar funções de secretário permanente do Imperador. Mais tarde, foram-lhe confiados graves assuntos de Estado, passando ele a exercer funções de membro do Conselho Imperial. Viu-se, assim, no centro do poder, durante dez anos. O país prosperava e Lu gozava da reputação de bom ministro.

Quis a fatalidade que tais êxitos provocassem de novo o ciúme dos invejosos. A todo preço, procuravam os confrades de Lu perdê-lo, dessa vez definitivamente. Acusaram-no de conivência com um general rebelde, cuja guarnição se havia sublevado na região fronteiriça, O Imperador assinou um mandato de prisão e os oficiais e guardas da prefeitura conduziram Lu para o cárcere, como se fosse um reles criminoso.


Consternado, humilhado, Lu pressentia o pior. Ao partir, chorou amaramente diante da esposa:

- Eu tinha um teto nos campos de Chang-tong, e possuía terras férteis, mais do que suficientes para viver. Por que não me contentei com isso? Eis agora a que ponto cheguei. Quem me dera poder novamente vestir as roupas grosseiras de camponês e poder passear alegremente! Ai de mim, que tal nunca mais me será consentido...

Dito isso, Lu puxou da espada e tentou cortar o pescoço, mas a mulher deteve o braço.


Fim da segunda parte

domingo, 1 de março de 2009

Viagem ao interior de um travesseiro - Chen-Tsi-tsi - Parte 1/3

Tenho um livro em casa que se chama "Maravilhas do Conto Chinês". Eu o comprei num sebo, e não existe mais para vender, infelizmente, como tantos livros bons. Mas há um conto que me chamou muito a atenção, e não o encontrei na internet. Por isso queria divulgá-lo. Como ainda estou digitando, vou separá-lo em partes para não ficar cansativo e não ficar muito texto para uma postagem só. Epero que gostem! =D

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Viagem ao interior de um travesseiro

Chen-Tsi-Tsi

No sétimo ano da época Kiai-yuan (712-741), um taoísta, conhecido como Pai Li, errava pela região de Han-tang. Certo dia, em que tivera de se deter numa estalagem de muda, o monge, enquanto esperava, tirou o boné, desapertou o cinto e sentou-se no chão, apoiando o peito contra o saco de viagem.

Nesse instante, entrou na estalagem um jovem vestido com trajes simples de camponês. Chamava-se Lu. De volta dos campos, detivera-se, como de costume, na pousada. Sentou-se na mesma esteira do taoísta e entre ambos logo se entabulou agradável palestra.

Passou-se algum tempo. Olhando tristemente para seu vestuário velho e coçado, o jovem soltou um longo suspiro:

- Dizer que sou homem de bem e que não tenho sorte na vida! Como sou desgraçado!

O velho taoísta ficou surpreso:

- Vendo-vos, ninguém diria que sofreis de algum mal! Por que tão súbito suspiro?

-Arrasto-me pela vida, eis tudo. Não tenho qualquer alegria – Retrucou o jovem, obstinadamente.

- Se isso não é alegria, que mais esperais para ser feliz?

- Um homem de cultura – prosseguiu o jovem Lu, com gravidade – Deve levar a cabo grandes empresas e granjear fama. Deve chegar a general-comandante de um exército expedicionário, ou a primeiro-ministro do Império. É necessário que logre fazer com que prosperem sua família quanto seus bens. Só então poderá falar em alegrias, em abastanças!

Ao cabo de uma pausa, prosseguiu:

- Jovem ainda, apliquei-me ao estudo com ardor e inteligência. Em muitos sentidos, sou homem bem dotado. Acreditei, outrora, poder atingir, sem dificuldade, altas posições na magistratura. Mas, como vedes, aqui estou, homem feito e labutando ingloriamente nos campos. Não é lamentável?

Seguiu-se longo silêncio. O jovem Lu parecia estar prostrado de fadiga e desejoso de cochilar um pouco. Entrementes, o estalajadeiro, absorto, ocupava-se em assar milho na estufa. O velho monge, tirando de sua bagagem um travesseiro, estendeu-o ao jovem:

- Descansai neste travesseiro e alcançareis honrarias e fortuna. À vontade.


Fim da primeira parte.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

A riqueza do ser e a pobreza do ter - Lao Tsé

A riqueza do ser e a pobreza do ter


Que vale mais:
Meu nome de família ou meu Ser?
Que é mais meu:
Minhas posses externas ou meu íntimo Ser?
Que me é mais importante:
Meus lucros ou minhas perdas?
Quem prende seu coração a algo
Está preso.
Quem deseja possuir tesouros
É um pobre possesso.
Quem vive satisfeito
É feliz com os satisfeitos.
Quem respeita os seus limites
Não corre perigo.
Isto gera verdadeira serenidade.
De dentro vem o que por fora se revela.

Lao Tsé



sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A gente se acostuma - Marina Colassanti

Achei esse texto e queria compartilhá-lo com vocês, leitores, a mensagem que ele traz - que é bem interessante, no meu ponto de vista. =]

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A gente se acostuma

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.


A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.

A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.

A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colassanti

Pintura de Edvard Munch







quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Através dos visíveis rumo ao invisível - Lao Tsé

Através dos visíveis rumo ao invisível

O excesso de luz cega a vista.
O excesso de som ensurdece o ouvido.
Condimentos em demasia estragam o gosto.
O ímpeto das paixões perturba o coração.
A cobiça do impossível destrói a ética.
Por isso, o sábio em sua alma
Determina a medida para cada coisa.
Todas as coisas visíveis lhe são apenas
Setas que apontam para o invisível.

Lao tsé, no Tao Te Ching


The Pleasure Principle(1937), por René Magritte


















terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Silêncio!... - Florbela Espanca

Silêncio!...

No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...

Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...

Florbela Espanca


Red Sky, por Marie Flaherty






segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Lado Verdadeiro - Caroline Mendes

Lado Verdadeiro

Amor, por que eras assim?
Escondia dos outros seu “eu” verdadeiro,
Mostrando apenas um lado faceiro
E revelando-se apenas a mim?

A mim, apenas, tu mostravas
O teu lado solitário, triste e amoroso
Teu jeito meio sério e receoso,
E como me tratavas!

Eras o mais gentil e carinhoso,
O ouvinte e conselheiro,
O mais cavalheiro, enfim!

Para mim, eras verdadeiro
E eu ainda ouso,
Sou feliz, pois apenas à mim


Eras precioso!

Caroline Mendes