sábado, 28 de fevereiro de 2009
A riqueza do ser e a pobreza do ter - Lao Tsé
Que vale mais:
Meu nome de família ou meu Ser?
Que é mais meu:
Minhas posses externas ou meu íntimo Ser?
Que me é mais importante:
Meus lucros ou minhas perdas?
Quem prende seu coração a algo
Está preso.
Quem deseja possuir tesouros
É um pobre possesso.
Quem vive satisfeito
É feliz com os satisfeitos.
Quem respeita os seus limites
Não corre perigo.
Isto gera verdadeira serenidade.
De dentro vem o que por fora se revela.
Lao Tsé
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
A gente se acostuma - Marina Colassanti
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A gente se acostuma
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.
A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.
A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colassanti
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Através dos visíveis rumo ao invisível - Lao Tsé
O excesso de luz cega a vista.
O excesso de som ensurdece o ouvido.
Condimentos em demasia estragam o gosto.
O ímpeto das paixões perturba o coração.
A cobiça do impossível destrói a ética.
Por isso, o sábio em sua alma
Determina a medida para cada coisa.
Todas as coisas visíveis lhe são apenas
Setas que apontam para o invisível.
Lao tsé, no Tao Te Ching
The Pleasure Principle(1937), por René Magritte
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
Silêncio!... - Florbela Espanca
No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...
Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!
Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!
Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...
Florbela Espanca
Red Sky, por Marie Flaherty
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Lado Verdadeiro - Caroline Mendes
Amor, por que eras assim?
Escondia dos outros seu “eu” verdadeiro,
Mostrando apenas um lado faceiro
E revelando-se apenas a mim?
A mim, apenas, tu mostravas
O teu lado solitário, triste e amoroso
Teu jeito meio sério e receoso,
E como me tratavas!
Eras o mais gentil e carinhoso,
O ouvinte e conselheiro,
O mais cavalheiro, enfim!
Para mim, eras verdadeiro
E eu ainda ouso,
Sou feliz, pois apenas à mim
Eras precioso!
Caroline Mendes
domingo, 22 de fevereiro de 2009
Vida - Caroline Mendes
Abraça-me terna e bela,
Diga-me que tudo há de vir.
Faça-me acreditar em ti,
E não apagar esta vela,
Esta chama que tu és
Este livro em branco,
Que escrevo tão brando,
Por onde passam meus pés!
Quero te abraçar e crer,
Que tu és maravilhosa!
Quero a tudo sentir e ver,
Nesta esfera grandiosa,
Não quero sentimentos conter,
Por esta vida preciosa!
Caroline Mendes
The Ballon, por Szinyei Merse.
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Pobre menina - Caroline Mendes
Pobre menina
Vês?
Aquelas pequenas mãos
Que deviam segurar bonecas
E fazer brincadeiras espertas,
Pedem a mim trocados, irmão!
Que faço?
Não é de dinheiro q’ a criança precisa,
É de pais dignos, de uma escola,
É de não pensar no agora,
E ter uma boa saída!
Por quê?
Com ela e não comigo?
Agora e não nunca?
São perguntas profundas,
Que me ardem, amigo!
E agora?
Dou-lhe umas moedas, a querer
Q’ela tenha sorte
E nunca – nunca! – a morte
Da vontade de viver...
Caroline Mendes
Doll on the floor(2008), por Susan Beauchemin
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Horizonte - Caroline Mendes
Horizonte
De todas as noites
Que nós dois desfrutamos
Lembro-me apenas do monte
De carinhos que trocamos.
Contigo mergulhei num mar
De volúpia e satisfação
Quem me dera poder voltar,
A este mar de emoção!
Não me importa se agora
Estás, assim, longe...
Em outro dia, outra hora,
Ligaremos essa ponte!
Que está quebrada, muito embora,
Temos o mesmo horizonte!
Caroline Mendes
domingo, 15 de fevereiro de 2009
Que é - simpatia - Casimiro de Abreu
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Ponte - Caroline Mendes
Resolvi parar de usar outros nomes para minhas posias. De agora em diante, ficarei como Caroline Mendes. Já deu de sentir vergonha! E as críticas... Bem, elas fazem parte! =]
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Ponte
Tudo parece perdido
E não encontro mais volta
Queria você aqui comigo
A enxugar minhas lágrimas
E dizer, num sorriso,
Palavras ternas e cálidas
Mas tu estás longe
Muito longe estás
Por isso queria uma ponte
Que me ligasse a ti
Sem precisar pensar
Num triste e longo fim...
Caroline Mendes
Bridge over a Pond of Water Lilies(1899),
por Claude Monet
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
A rua dos cataventos - Mário Quintana
A rua dos cataventos
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Mário Quintana
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Círculo Vicioso - Machado de Assis
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Venda Escura - C. Sednem
Venda escura
Quero que sejas meu,
E meu só!
Quero beijar o rosto seu,
Encher-te de carícias, sem dó!
Como eu queria saber
Expressar tudo o que há em mim,
Tudo que se passa em meu ser,
Ver tudo claro, enfim!
E não essa escuridão do não saber,
Que me venda os olhos assim,
De forma que eu não possa conhecer
Nem ver nenhum jardim...
Só tu podes tirar-me este pano escuro,
Para que, finalmente, possamos viver,
E pensar num futuro,
De paz, amor e prazer!
Sem nada de obscuro
(Se há tanto para se viver!)
C. Sednem
Heart of snow , por Edward Robert Hughes, 1907
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Saudade - C. Sednem
Saudade
Ah, quantas saudades carrega,
Minh’alma, tão sofrida...
Cansada de toda essa vida,
Que me maltrata e me nega:
Um pouco de felicidade,
Algum puro amor,
Uma fonte de calor,
Restando apenas saudade.
Minh’alma contorce em agonia
Pede um calor,
E grita por alegria,
Sinto n’alma essa dor...
Se eu pudesse, aos céus pediria,
Um eterno e profundo amor.
C. Sednem
Summer Interior (1909), por Edward Hopper.
sábado, 7 de fevereiro de 2009
O Melhor Remédio - C. Sednem
O Melhor Remédio
O melhor dos remédios
Só pode ser o sono,
Que nos faz escapar desta vida, deste tédio,
Te pergunto agora, “Como
Posso viver,
Morrendo de sono,
Com os olhos pesados,
Pedindo ver sonhos?”
E quando tu apareces num sonho,
É como se fosse verdade!
Mesmo sendo ilusão eu me ponho
A sorrir, com saudade.
Mesmo sendo o dia tristonho,
A noite vira uma felicidade!
Dream Provoked by the Flight of a Bumble Bee,
por Salvador Dalí
Em Construção - Chico Buarque
Construção
.
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
.
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
.
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acbou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
.
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
.
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
.
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
.
Morreu na contramão atrapalhando o público
.
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
.
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
.
Chico Buarque de Holanda
Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=P7mHf-UCZp0.
Tempo - C. Sednem
Tempo
Seja noite, seja dia,
Eu vivo nesta agonia.
Faça chuva, faça sol,
Eu vivo como caracol:
Que lentamente anda,
Enquanto tudo desanda
Nesta vida apressada,
Quase morro engasgada!
Pois não há tempo pra comer,
E nem mesmo para viver!
O relógio não me espera
- Assim eu fico uma fera!
Enquanto todos estão acostumados
E nem parecem conturbados,
Fico eu neste dilema,
Sem resolver o problema!
Mas a vida é uma só,
E antes que tudo vire pó
Fico eu a correr,
Atrás do tempo, a sofrer...
C. Sednem